sábado, 28 de novembro de 2015

A DOCE VIDA (LA DOLCE VITA)


A primeira vez que assisti A Doce Vida, sofri profundo impacto. Trata-se de um filme que despertou novos caminhos para minha cinefilia, abrindo as portas para o povoado universo do cinema europeu de contracultura. A revisão da obra, portanto, foi antecedida de certa angústia: passado o romantismo da descoberta, o filme de Federico Fellini continuaria com a mesma relevância?

Felizmente, a resposta é negativa: a relevância de A Doce Vida não permaneceu estática; aumentou. A maturidade do tempo ajudou a observar novas facetas na história de Marcello Rubini (Marcello Mastroiani), personagem da alta sociedade (ou um apêndice, já que ele mesmo não é homem de posses) que tramita em sequências memoráveis inebriado num mundo de egoísmo, vazios, diversões fugazes e buscas irrefletidas.

É um filme de sketchs que não necessariamente foram inseridos em ordem cronológica. Faz parte da apreciação da obra (re)alocá-los onde se aprouver. A construção passa pelo espectador, que pode entender as situações de acordo com suas experiência e pré-julgamentos. Diversos temas são tratados, sempre de modo cínico: estratificação social, religião, arte, autoconhecimento, intelectualidade. Tudo forma um mosaico, em que o único elo que liga todos os pontos é Marcello. O protagonista afeta e é afetado, numa troca sutil em que as emoções se escondem (o que se diz n’A Doce Vida quase nunca é o que se sente – as palavras são utilizadas para repetir estruturas de status, e não para expressar emoções ou sentimentos reais).

A incomunicabilidade aqui é tema central, ainda que velado. Ninguém se comunica com ninguém, e quando o faz, o receptor não escuta. Cada um vê e o ouve o que quer, aprova o que lhe convém e busca influenciar o que lhe interessa. Isso tornaria, em um rápido e apressado olhar, a obra de Fellini cruel, impiedosa e, até certo ponto, pouco generosa com seus personagens.

Em revisitação, não é essa a conclusão que o filme busca chegar. Ao oscilar a tristeza com a diversão melancólica, o autor italiano parece querer nos dizer que a A Doce Vida não é uma escolha, mas uma necessidade para sobreviver sem se questionar tanto. É um refúgio que se busca por fraqueza e necessidade, quase nunca por vontade própria. Quando não ouvimos o chamado da realidade do outro lado do braço de mar, não o fazemos por desleixo, mas apenas por que o barulho (interno e externo) é alto demais, sufocante demais, pesado demais. Em suma, doce demais.

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