A primeira vez que assisti A Doce
Vida, sofri profundo impacto. Trata-se de um filme que despertou novos caminhos
para minha cinefilia, abrindo as portas para o povoado universo do cinema
europeu de contracultura. A revisão da obra, portanto, foi antecedida de certa
angústia: passado o romantismo da descoberta, o filme de Federico Fellini continuaria
com a mesma relevância?
Felizmente, a resposta é
negativa: a relevância de A Doce Vida não permaneceu estática; aumentou. A
maturidade do tempo ajudou a observar novas facetas na história de Marcello Rubini (Marcello Mastroiani),
personagem da alta sociedade (ou um apêndice, já que ele mesmo não é homem de
posses) que tramita em sequências memoráveis inebriado num mundo de egoísmo,
vazios, diversões fugazes e buscas irrefletidas.
É um filme de sketchs que não
necessariamente foram inseridos em ordem cronológica. Faz parte da apreciação
da obra (re)alocá-los onde se aprouver. A construção passa pelo espectador,
que pode entender as situações de acordo com suas experiência e
pré-julgamentos. Diversos temas são tratados, sempre de modo cínico:
estratificação social, religião, arte, autoconhecimento, intelectualidade. Tudo
forma um mosaico, em que o único elo que liga todos os pontos é Marcello. O
protagonista afeta e é afetado, numa troca sutil em que as emoções se escondem
(o que se diz n’A Doce Vida quase nunca é o que se sente – as palavras são
utilizadas para repetir estruturas de status, e não para expressar emoções ou sentimentos reais).
A incomunicabilidade aqui é tema
central, ainda que velado. Ninguém se comunica com ninguém, e quando o faz,
o receptor não escuta. Cada um vê e o ouve o que quer, aprova o que lhe convém
e busca influenciar o que lhe interessa. Isso tornaria, em um rápido e apressado olhar, a
obra de Fellini cruel, impiedosa e, até certo ponto, pouco generosa com seus
personagens.
Em revisitação, não é essa a
conclusão que o filme busca chegar. Ao oscilar a tristeza com a diversão
melancólica, o autor italiano parece querer nos dizer que a A Doce Vida não é
uma escolha, mas uma necessidade para sobreviver sem se questionar tanto. É um
refúgio que se busca por fraqueza e necessidade, quase nunca por vontade
própria. Quando não ouvimos o chamado da realidade do outro lado do braço de
mar, não o fazemos por desleixo, mas apenas por que o barulho (interno e
externo) é alto demais, sufocante demais, pesado demais. Em suma, doce demais.
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