segunda-feira, 30 de novembro de 2015

A HORA DO LOBO (VARGTIMMEN)


Vi menos Bergmans que deveria, e não o falo com orgulho – na verdade, admito com um tanto de vergonha. Dos poucos que vi (foram, contudo, os principais), não há dúvidas: A Hora do Lobo é o melhor deles.

Bergman aqui supera todos os limites. Desconhece preocupações com a quarta parede (os créditos iniciam sob o barulho da montagem dos sets, os personagens olham e falam para a câmera), com a estrutura fotográfica (alterna a distância dos planos quase como se equilibrando nas emoções oscilantes dos personagens), e com a linha narrativa (vai e volta, abandona detalhes importantes). Na verdade, é provável que o sueco tenha, sim, se preocupado com tudo isso, talvez até demais – ao ponto de buscar superar a maioria das convenções fílmicas, desconstruindo-as para criar novas, para questioná-las, para transformá-las em algo que talvez não possam ou não queiram se tornar.

Se há uma trama, ela persegue (literalmente) Johan Borg (Max Von Sydow, superlativo), artista que mora em uma ilha quase isolada com sua esposa Alma Borg (mais que perfeita Ursula Andress). Através da insônia (ou antes dela?), ele é atormentado por fantasmas (interiores?) que se entregam a ele (ou desejam comê-lo?) e o ajudam a se transformar (deformar-se?), ao mesmo tempo em que Alma busca respostas para o que está acontecendo com o marido (ou com ela?).

Como se nota pelo excesso de interrogações do parágrafo anterior, essa obra-prima é um filme dúbio. Poder ser um filme de terror ou um suspense psicológico. Os personagens podem ou não existir. Se existirem, podem ou não estar loucos. O que a Hora do Lobo se nega a ser, sem dúvidas, é um filme simples. Não tem final conclusivo (termina com uma reticência literal), nem vem acompanhado de manual de instruções. Bergman é genial o suficiente para respeitar o espectador. Devemos ser humildes o bastante, em contrapartida, para permitir que esse autor singular nos apresente todos seus símbolos. No fim, como dito pelo protagonista, o que resta é apenas um espelho quebrado, mas o que os pedaços refletem? 

domingo, 29 de novembro de 2015

JOGOS VORAZES: A ESPERANÇA – PARTE 1 (THE HUNGER GAMES: MOCKINGJAY - PART 1)


Causa profunda raiva essa moda de dividir filmes simples em duas partes para faturar dobrado. Demonstra falta de respeito com o espectador, que no fim das contas merece uma história contada de forma correta, e não um arremedo de filme episódico. Para além disso, esse primeiro último filme da saga de Katniss (Jennifer Lawrence) consegue ser suficientemente interessante.

Após o último jogo, um grupo dissidente organiza um rebelião contra a capital utilizando-se, em essência, da propaganda de guerra. É a deixa para a trama fazer sua crítica social à publicidade e à criação de ídolos. Nesse ponto, deve-se dar créditos aos filmes pelo cinismo e autocrítica – não deixa de ser corajoso para um blockbuster juvenil.

Para quem gostava da ação dos filmes anteriores, os jogos fazem um pouco de falta. A maioria das cenas é de falatório, transformando esse filme numa véspera – produto inacabado, que não existe por si só. Como é necessário para a compreensão do segundo último capítulo da franquia, não há como fugir; de consolo, pode-se afirmar com segurança que não é propriamente ruim, apenas não se é por inteiro.

sábado, 28 de novembro de 2015

A DOCE VIDA (LA DOLCE VITA)


A primeira vez que assisti A Doce Vida, sofri profundo impacto. Trata-se de um filme que despertou novos caminhos para minha cinefilia, abrindo as portas para o povoado universo do cinema europeu de contracultura. A revisão da obra, portanto, foi antecedida de certa angústia: passado o romantismo da descoberta, o filme de Federico Fellini continuaria com a mesma relevância?

Felizmente, a resposta é negativa: a relevância de A Doce Vida não permaneceu estática; aumentou. A maturidade do tempo ajudou a observar novas facetas na história de Marcello Rubini (Marcello Mastroiani), personagem da alta sociedade (ou um apêndice, já que ele mesmo não é homem de posses) que tramita em sequências memoráveis inebriado num mundo de egoísmo, vazios, diversões fugazes e buscas irrefletidas.

É um filme de sketchs que não necessariamente foram inseridos em ordem cronológica. Faz parte da apreciação da obra (re)alocá-los onde se aprouver. A construção passa pelo espectador, que pode entender as situações de acordo com suas experiência e pré-julgamentos. Diversos temas são tratados, sempre de modo cínico: estratificação social, religião, arte, autoconhecimento, intelectualidade. Tudo forma um mosaico, em que o único elo que liga todos os pontos é Marcello. O protagonista afeta e é afetado, numa troca sutil em que as emoções se escondem (o que se diz n’A Doce Vida quase nunca é o que se sente – as palavras são utilizadas para repetir estruturas de status, e não para expressar emoções ou sentimentos reais).

A incomunicabilidade aqui é tema central, ainda que velado. Ninguém se comunica com ninguém, e quando o faz, o receptor não escuta. Cada um vê e o ouve o que quer, aprova o que lhe convém e busca influenciar o que lhe interessa. Isso tornaria, em um rápido e apressado olhar, a obra de Fellini cruel, impiedosa e, até certo ponto, pouco generosa com seus personagens.

Em revisitação, não é essa a conclusão que o filme busca chegar. Ao oscilar a tristeza com a diversão melancólica, o autor italiano parece querer nos dizer que a A Doce Vida não é uma escolha, mas uma necessidade para sobreviver sem se questionar tanto. É um refúgio que se busca por fraqueza e necessidade, quase nunca por vontade própria. Quando não ouvimos o chamado da realidade do outro lado do braço de mar, não o fazemos por desleixo, mas apenas por que o barulho (interno e externo) é alto demais, sufocante demais, pesado demais. Em suma, doce demais.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

ZUMBI 2 - A VOLTA DOS MORTOS (ZOMBI 2)


Esse clássico do cinema de zumbi tornou-se cult pela dificuldade de ser encontrado e pela qualidade ímpar de sua maquiagem e dos efeitos práticos utilizados.

Um barco abandonado é encontrado na baía de Nova Iorque. Após inspeção policial, descobre-se que não está exatamente abandonado: um zumbi o ocupa. A filha do dono do barco (Tisa Farrow), ao tomar conhecimento do ocorrido, decide viajar para a ilha em que seu pai foi visto pela última vez, na companhia de um repórter (Ian McCulloch) em busca de história. Lá, descobrem que os zumbis estão dominando o local, e terão de lutar para sobreviver.

A história é manjada (à época já o era), mas o filme se permite algumas boas criatividades. As cenas de morte – gráficas e muito bem feitas – são pensadas sempre em torno do suspense. Ainda que a trama não crie nada de especial, alguns bons momentos ajudam a compreender por que esse filme se mantém relevante no subgênero.

Uma cena em especial é antológica e excelente: mulher seminua mergulha próximo à ilha quando aparece um tubarão; não bastasse a ameaça, dá de cara com zumbi aquático; no fim da sequência, zumbi e tubarão entram em luta corporal, deixando caminho livre para a salvação da personagem. A cena é bem filmada e a maquiagem é excelente (como em todo o filme, repito). Merecem aplausos os realizadores, pois alcançar esse nível de audácia (em que o medo clássico – natureza – encontra o medo moderno – zumbi – e juntos se potencializam e se anulam) sem cair na galhofa é trabalho para poucos.

Infelizmente, Zumbi 2 é vítima da saturação do subgênero, e todos seus clichês tornam-se maçantes ao invés de românticos. Não envelheceu tão bem quanto os exemplares de Romero, mas nada tira o charme dessa produção italiana que trouxe o que de melhor havia em termos de zumbis (além de se permitir algumas boas inovações).