Vi menos Bergmans que deveria, e
não o falo com orgulho – na verdade, admito com um tanto de vergonha. Dos
poucos que vi (foram, contudo, os principais), não há dúvidas: A Hora do Lobo é
o melhor deles.
Bergman aqui supera todos os
limites. Desconhece preocupações com a quarta parede (os créditos iniciam sob o
barulho da montagem dos sets, os personagens olham e falam para a câmera), com
a estrutura fotográfica (alterna a distância dos planos quase como se
equilibrando nas emoções oscilantes dos personagens), e com a linha narrativa
(vai e volta, abandona detalhes importantes). Na verdade, é provável que o
sueco tenha, sim, se preocupado com tudo isso, talvez até demais – ao ponto de buscar superar a
maioria das convenções fílmicas, desconstruindo-as para criar novas, para
questioná-las, para transformá-las em algo que talvez não possam ou não queiram
se tornar.
Se há uma trama, ela persegue
(literalmente) Johan Borg (Max Von Sydow, superlativo), artista que mora em uma ilha quase isolada com sua esposa Alma Borg (mais que perfeita Ursula Andress). Através da insônia (ou antes dela?), ele é
atormentado por fantasmas (interiores?) que se entregam a ele (ou desejam
comê-lo?) e o ajudam a se transformar (deformar-se?), ao mesmo tempo em que Alma busca respostas para o que está acontecendo com o marido (ou com ela?).
Como se nota pelo excesso de
interrogações do parágrafo anterior, essa obra-prima é um filme dúbio. Poder
ser um filme de terror ou um suspense psicológico. Os personagens podem ou não
existir. Se existirem, podem ou não estar loucos. O que a Hora do Lobo se nega
a ser, sem dúvidas, é um filme simples. Não tem final conclusivo
(termina com uma reticência literal), nem vem acompanhado de manual de
instruções. Bergman é genial o suficiente para respeitar o espectador. Devemos
ser humildes o bastante, em contrapartida, para permitir que esse autor singular nos
apresente todos seus símbolos. No fim, como dito pelo protagonista, o que resta
é apenas um espelho quebrado, mas o que os pedaços refletem?